sábado, 26 de setembro de 2015

Visões do futuro 1

  
Capa de Sonhos de Robô de Isaac Asimov
Restaurante lotado,  ótima comida.  O chef hoje foi programado no modo “comida tailandesa do século XXI” e o restaurante sempre lota nesses dias, o gostinho exótico do passado ainda consegue despertar pelo menos o prazer degustativo nas pessoas, o que acontecia apenas de um lado das mesas o outro “pretendia” estar aproveitando a noite com um sorriso plástico.
Vanessa olha pra ele: “O que eu estou fazendo aqui” - pensa. Levanta a mão em um gesto rápido mas gracioso e faz sinal para o garçom: “A conta” seus lábios sussurram. Os olhos dele brilham ao olhar pra ela e sua careca branca começa a suar.
_ Na sua casa ou na minha? – entoa com a voz empostada tentando fazer-se atrativo, mas sem êxito.
“Ele ainda não entendeu!” leva a mão a testa e respira fundo. – Nem um e nem outro, você acaba de me dizer que só está aqui porque sua robô “parceira-perfeita” está na manutenção e por isso resolveu utilizar o antiquado método do site de relacionamentos só para humano, para encontrar alguém porque precisava "dar uma aliviada" até ela ser reparada. E você ainda espera que eu vá com você pra sua casa?
_ Mas se não era pra sexo o que está fazendo aqui?
_ Talvez eu quisesse conhecê-lo, conversar sobre a vida, quisesse conhecer alguém que me inspire. - Seu discurso parecia deixá-lo confuso.
_ Mas para isso foram criadas as salas de “bate papo” com temáticas específicas!
_ Conversar através de uma tela com pessoas que não conheço pessoalmente e sem contato visu... - para e respira fundo  “não vou começar novamente a mesma discussão”. Levanta irritada e pega o casaco. – Você paga a conta, já deve estar acostumado, robôs não têm dinheiro.
Sai com passos apressados.

Ela entra pela porta segurando os sapatos na mão, sua feição deixa transparecer toda a frustação de mais uma tentativa em vão. Joga os sapatos para um lado, a bolsa para o outro. Caminha até a geladeira pega um pote de sorvete de creme e frutas vermelhas. Volta para sala e se joga no sofá, deixando suas pernas cruzarem no ar. Começa a comer o sorvete quando percebe que a tela de seu comunicador virtual está piscando. “Com certeza é Vitória querendo saber como foi o encontro. Como se já não soubesse a resposta, só está querendo aproveitar  o momento pra jogar na minha cara que o jeito "só humano" é antiquado e que é um erro meu insistir.” Pega o tablete que se encontra a sua frente sobre a mesa de centro, a parede em frente ao sofá transforma-se e um tela com projeções holográficas em 3D.

Primeiro recado: 07:45 - Olá Vanessa, ainda não voltou?
Segundo recado: 08:17 - Hum tá demorando, deve estar bom então?
Terceiro recado: 09:02 - Me ligue quando chegar, estou curiosa...

Ela olha no relógio 09:12...



Berlim, 28 de dezembro de 2012.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Chimamanda Ngozi Adichie e o porque devemos ser todos feministas.

A feminista que traduziu minha forma de enxergar o mundo.


Chimamanda Ngozi Adichie (38 anos) é hoje reconhecida como umas das mais importantes jovens escritores  em língua inglesa, ela é nigeriana e atraiu com seus livros uma nova geração de leitores para a literatura africana.
Hoje eu gostaria de falar de seu discurso “Todos nós deveríamos ser feministas” (We Should all be Feminists). Discurso realizado em 2012, onde a autora compartilha sua experiência em ser uma feminista africana e sua visão sobre construção de gênero e sexualidade. Foi através deste discurso que fui apresentada a maravilhosa essa maravilhosa mulher. Eu não sou do tipo tiete, mas em 30 minutos, esta mulher conseguiu, de forma majestosa e sem perder a graça e o humor, fato pelo qual ela também é amplamente conhecida, elaborar uma completa reflexão sobre o modo em que a sociedade divide homens e mulheres em papéis preconceituosos, injustos e totalmente antiquados à realidade do mundo em que vivemos.

O mais  importante em seu discurso, é que ela não direciona sua fala às mulheres, ela fala com todos, independente da classificação de gênero em uma forma de expressão que representa, acima de tudo, o respeito pelo individuo e suas acepções individuais. Outro fato importante pra mim em seu  discurso é ressaltado através da afirmação de que uma mulher “não precisa se desculpar pela sua feminilidade ou por ser mulher”, para ser respeitada. Ela não precisa apagar sua feminilidade, se isso for natural dela, para que o mundo a veja como respeitável. O respeito é algo que todos ganham por merecimento e não através de sua aparência.

Seu discurso aborda, entre outros, a concepção do que significa ser uma feminista e do como está palavra é demonizada. O conceito que a envolve é geralmente visto como uma afronta ao sexo masculino e de como as declaradas feminista são frequentemente vistas como inimigas do homens e das feminilidade de algumas mulheres. Mas isto é apenas uma visão destorcida deste conceito. Uma visão formulada por pessoas, sejam elas de qualquer gênero, que não entendem o que realmente significa ser feminista. Logo Adichie explica de uma forma bem humorada e didática o que realmente significa ser feminista e porque “todos” deviam ser feministas.

Eu não conheço pessoalmente nenhum país africano, mas não só pelo seu depoimento, mas também através da notícias que leio, mostra ser proveniente de uma cultura extremamente patriarcal onde a igualdade entre os gêneros é bem pequena ou praticamente inexistente. Mas ao ouvir o seu discurso reconheci todos seus elementos dentro das culturas da qual tenho conhecimento pessoal, tanto no Brasil, minha terra natal, quanto na Alemanha, local onde vivo agora. Eu continuo ouvindo as mesmas argumentações citadas pela escritora como: “feminismo é coisa de mulheres infeliz que não consegue arranjar um marido”, de “mulheres que odeiam homens”, “que odeiam sutiã”; E que homens não podem ser gentis e amáveis, que precisam ser fortes e nunca chorar, por que isto é coisa de mulher. Ou a argumentação de que está conversa feminista é um exagero, que as coisas “não são mais difíceis para as mulheres” que hoje as mulheres tem as mesmas possibilidades que os homens, “basta que elas queiram”.

Em menor ou maior escala, inclusive nos países onde a igualdade de gênero é considerada grande, como por exemplo os países do norte europeu ou Escandinávia, é possível encontrar, mesmo que de forma velada, os mesmos “pré-conceito” citados por Adichie e constatar que ainda vivemos em um mundo que se baseia num condicionamento social patriarcal não igualitário.

Assim como ela ressalta, as mulheres representam 52% da população mundial, mas a maioria das posições de poder e prestígio são ocupadas por homens: “Quanto mais alto você for, menos mulheres haverá.” Homens ainda recebem, em escala mundial, salários maiores para executar o mesmo cargo.

E porque deveríamos então sermos todos feministas.

O mundo evoluiu, mas a ideia de gênero não, os líderes no passado  precisavam ser portadores de força física, este era o atributo principal, e os homens, em grande maioria, são dotados de uma força física maior. Adichie argumenta que hoje as principais características de um líder são criatividade, inteligência, e pensamento inovador. E pra esses atributos não há hormônios: “Um homem é tão apto quanto uma mulher para ser inteligente, criativo e inovador”

A única forma de mudarmos este fato é construir uma sociedade onde todos serão criados como pessoas, onde as próximas gerações precisam ser educados de forma diferente. Também os garotos. Adichie define a masculinidade como uma “jaula pequenina” onde colocamos os meninos desde sua infância, onde eles aprendem a temer a fraqueza e a vulnerabilidade, sufocando assim sua humanidade.
Criamos as meninas para se encolherem, serem menores. Ensinamos que devem ter ambições, já que estamos em um mundo moderno, mas não muitas, porque elas precisam se moldar aos homens. O sucesso excessivo pode fazer com que o homem se sinta “desmasculinizados”.

As mulheres são criadas para ansiar o casamento, mas porque então os homens também não são? Mulheres são  criadas a se moldarem as necessidades de seus parceiros. A competirem entre si pela atenção dos homens; a serem menos sexuais que os homens.

Homens tem a desculpa do impulso da masculinidade para seus atos e mulheres precisa “fechar as pernas” e cobrir seu corpo para serem respeitadas.

Os papéis de gênero “prescrevem quem nós deveríamos ser e não quem nós realmente somos”. “Imaginem como felizes nós seriamos se nossos verdadeiros ‘eus’ fossem livres e se nós não tivéssemos o peso das ‘expectativas de gênero’.” Afirma  Chimamanda Adichie. “ E se ao criar as crianças, nós nos focássemos mais nas capacidades individuais e interesses ao invés dos papéis de gênero?”

A definição da palavra feminista lida por Adichie é: “Feminista, pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos”. Baseado nesta afirmação, talvez existam muitos mais feministas no mundo do que se possa imaginar. Ela afirma que para ela a definição de feminista é: “ Um homem ou uma mulher que diz: Sim existe um problema com a definição de gênero com são hoje, e nós devemos consertar isso. Nós devemos fazer melhor”.

O discurso lido por Chimamanda Ngozi Adichie neste dia é algo emblemático e deve ser divulgado. Há ainda muitas  pessoas neste mundo, sejam elas homens, mulheres e afins, que são feministas e ainda nem sabem.

Assista ao vídeo, ele é um deleite de inteligência argumentativa e coerência. E compartilhe para que mais pessoas saibam do que se trata ser um/a feminista.



Berlim, 25 de setembro de 2015.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

... você não é humano!





_ Mas você não é humano!

_ E o que significa ser humano? – perguntou-me ele com os olhos vidrados em mim. Creio que estaria chorando se pudesse.

Berlim, 23 de setembro de 2015.




terça-feira, 22 de setembro de 2015

"A Filha da Índia" os refugiados e a cultura do estupro.

Abstrata  Sexy Lady pintura a óleo. 

A semana mal começou e eu já me deparei aleatoriamente com três reportagens que reportam ou discutem o tema estupro.
A diretora e cineasta sul-africana Leslee Udwin, que também foi estuprada aos 18 e na época calou-se por vergonha e culpa, motivada pela trágica história de Jyoti Singh (23 anos), que, de ao voltar do cinema com um amigo por volta das 20h30 em Nova Déli, foi violentamente estuprada por seis homens em um ônibus e faleceu.
Leslee Udwin iniciou seu projeto, um documentário onde entrevistaria os agressores sexuais. O resultado de sua documentação gerou uma tese estarrecedora. Os agressores não eram monstros ou psicopatas, eles eram apenas homens. “Homens normais”. Em grande maioria, eles nem sentem remorso pelo que fizeram. Segundo Leslee, esta é a programação que o homem recebe durante toda sua vida.

Se a figura da mulher é desvalorizada como ser humano, se é aprendido que elas não tem nenhum valor ou um valor menor comparado ao homem, o que se espera? (veja matéria completa aqui)

A segunda reportagem retrata uma epidemia de estupros nos abrigos onde os refugiados, em grande maioria homens mulçumanos, são obrigados a viverem em dormitórios mistos. Não apenas os casos de estupros, que incluem até uma garota de 13 anos, estão vindo á tona, apesar do esforço da polícia de silenciar a mídia, mas também o de prostituição das mulheres refugiadas dentro dos próprios abrigos. (Veja matéria completa aqui)

A relação que podemos traçar entre os dois fatos pode ser ligada pela tese de Leslee, ambas as culturas envolvidas veem as mulheres como inferiores, mas será que só dentro destas culturas as mulheres são vistas como inferiores. Claro que não. E isto se retrata pela terceira notícia lida. Ocorrido em uma cidade perto de Macapá, no Brasil, uma mulher de 30 anos foi agredida por três homens que moravam perto de sua casa e a conheciam, eles aproveitaram uma queda de energia para invadirem sua casa munidos de um fação, como a vítima tentou reagir teve seu cabelo cortado e sua mão mutilada, pelos agressores. (veja notícia aqui)

O fato de ela ser mulher e morar sozinha foi o suficiente para que os agressores se sentissem motivados a entrar em sua casa e a praticar está atrocidade, assim como o fato de estar  em um ônibus as 20h30 da noite ou de, como refugiada, não ter lugar onde dormir separada dos homens.
Pode-se dizer que a culpa é da política de acolhimento de refugiados que não leva em consideração a diferença religiosa e cultural dos asilados; ou da segurança publica que não faz seu papel protegendo seus cidadãos .

Mas eu digo o problema é mundial, uma questão de cultura, “Cultura do Estupro”. Tudo é motivo, tudo é usado como desculpa para se agredir sexualmente uma mulher. Estava sozinha, estava com roupa provocante, não se deu o valor, estava de burca porque é a representação do pecado, as mulheres são inferiores, estão no mundo para servir o homem, para parir o homem, para alimentar o homem...

Mulheres ganham menos, mulheres não são escolhidas para a vaga de emprego porque estão em idade de ter filhos, mulheres são o número menor dentro dos cargos nas universidades, dentro do congresso. Um Político é ladrão tudo bem uma política fez algo que desagrada e recebe um colante com as pernas abertas. Meninos são criados para “passar o rodo” enquanto as meninas aprendem que só serão respeitadas se “segurarem a periquita”.


Em um mundo onde a educação, seja ela religiosa ou apenas institucional, coloca as mulheres como seres inferiores, as mulheres vão continuar a serem tratadas como objetos e objetos não sentem, não precisam de piedade, podem ser estupradas.

Berlim, 22 de setembro de 2015.