Restaurante lotado, ótima comida. O chef hoje foi programado no modo “comida tailandesa do século XXI” e o restaurante sempre
lota nesses dias, o gostinho exótico do passado ainda consegue despertar pelo
menos o prazer degustativo nas pessoas, o que acontecia apenas de
um lado das mesas o outro “pretendia” estar aproveitando a noite com um sorriso
plástico.
Vanessa olha pra ele: “O que eu estou fazendo aqui” - pensa. Levanta a
mão em um gesto rápido mas gracioso e faz sinal para o garçom: “A conta” seus
lábios sussurram. Os olhos dele brilham ao olhar pra ela e sua careca branca
começa a suar.
_ Na sua casa ou na minha? – entoa com a voz empostada tentando fazer-se atrativo, mas sem êxito.
“Ele ainda não entendeu!” leva a mão a testa e respira fundo. – Nem um e
nem outro, você acaba de me dizer que só está aqui porque sua robô
“parceira-perfeita” está na manutenção e por isso resolveu utilizar o antiquado
método do site de relacionamentos só para humano, para encontrar alguém porque precisava "dar uma aliviada" até
ela ser reparada. E você ainda espera que eu vá com você pra sua casa?
_ Mas se não era pra sexo o que está fazendo aqui?
_ Talvez eu quisesse conhecê-lo, conversar sobre a vida, quisesse
conhecer alguém que me inspire. - Seu discurso parecia deixá-lo confuso.
_ Mas para isso foram criadas as salas de “bate papo” com temáticas
específicas!
_ Conversar através de uma tela com pessoas que não conheço pessoalmente
e sem contato visu... - para e respira fundo “não vou começar novamente a
mesma discussão”. Levanta irritada e pega o casaco. – Você paga a conta, já
deve estar acostumado, robôs não têm dinheiro.
Sai com passos apressados.
Ela entra pela porta segurando os sapatos na mão, sua feição deixa
transparecer toda a frustação de mais uma tentativa em vão. Joga os sapatos
para um lado, a bolsa para o outro. Caminha até a geladeira pega um pote de
sorvete de creme e frutas vermelhas. Volta para sala e se joga no sofá,
deixando suas pernas cruzarem no ar. Começa a comer o sorvete quando
percebe que a tela de seu comunicador virtual está piscando. “Com certeza é Vitória querendo saber como foi o encontro. Como se já
não soubesse a resposta, só está querendo aproveitar o momento pra jogar na minha cara que o jeito "só humano" é antiquado e que é um erro meu insistir.” Pega o tablete que se encontra a sua
frente sobre a mesa de centro, a parede em frente ao sofá transforma-se e um
tela com projeções holográficas em 3D.
Primeiro recado: 07:45 - Olá Vanessa, ainda não voltou?
Segundo recado: 08:17 - Hum tá demorando, deve estar bom então?
Terceiro recado: 09:02 - Me ligue quando chegar, estou curiosa...
Ela olha no
relógio 09:12... Berlim, 28 de dezembro de 2012.
A feminista que traduziu minha forma de
enxergar o mundo.
Chimamanda Ngozi Adichie (38 anos) é hoje reconhecida
como umas das mais importantes jovens escritoresem língua
inglesa, ela é nigeriana e atraiu com seus livros uma nova geração de leitores
para a literatura africana.
Hoje eu gostaria de falar de seu
discurso “Todos nós deveríamos ser feministas” (We Should all be Feminists).
Discurso realizado em 2012, onde a autora compartilha sua experiência em ser
uma feminista africana e sua visão sobre construção de gênero e sexualidade.
Foi através deste discurso que fui apresentada a maravilhosa essa maravilhosa
mulher. Eu não sou do tipo tiete, mas em 30 minutos, esta mulher conseguiu, de forma
majestosa e sem perder a graça e o humor, fato pelo qual ela também é
amplamente conhecida, elaborar uma completa reflexão sobre o modo em que a
sociedade divide homens e mulheres em papéis preconceituosos, injustos e
totalmente antiquados à realidade do mundo em que vivemos.
O maisimportante em seu discurso, é que ela não
direciona sua fala às mulheres, ela fala com todos, independente da
classificação de gênero em uma forma de expressão que representa, acima de
tudo, o respeito pelo individuo e suas acepções individuais. Outro fato
importante pra mim em seu discurso é
ressaltado através da afirmação de que uma mulher “não precisa se desculpar
pela sua feminilidade ou por ser mulher”, para ser respeitada. Ela não precisa
apagar sua feminilidade, se isso for natural dela, para que o mundo a veja como
respeitável. O respeito é algo que todos ganham por merecimento e não através
de sua aparência.
Seu discurso aborda, entre outros, a
concepção do que significa ser uma feminista e do como está palavra é
demonizada. O conceito que a envolve é geralmente visto como uma afronta ao
sexo masculino e de como as declaradas feminista são frequentemente vistas como
inimigas do homens e das feminilidade de algumas mulheres. Mas isto é apenas
uma visão destorcida deste conceito. Uma visão formulada por pessoas, sejam
elas de qualquer gênero, que não entendem o que realmente significa ser
feminista. Logo Adichie explica de uma forma bem humorada e didática o que
realmente significa ser feminista e porque “todos” deviam ser feministas.
Eu não conheço pessoalmente nenhum
país africano, mas não só pelo seu depoimento, mas também através da notícias
que leio, mostra ser proveniente de uma cultura extremamente patriarcal onde a
igualdade entre os gêneros é bem pequena ou praticamente inexistente. Mas ao
ouvir o seu discurso reconheci todos seus elementos dentro das culturas da qual
tenho conhecimento pessoal, tanto no Brasil, minha terra natal, quanto na
Alemanha, local onde vivo agora. Eu continuo ouvindo as mesmas argumentações
citadas pela escritora como: “feminismo é coisa de mulheres infeliz que não
consegue arranjar um marido”, de “mulheres que odeiam homens”, “que odeiam
sutiã”; E que homens não podem ser gentis e amáveis, que precisam ser fortes e
nunca chorar, por que isto é coisa de mulher. Ou a argumentação de que está
conversa feminista é um exagero, que as coisas “não são mais difíceis para as
mulheres” que hoje as mulheres tem as mesmas possibilidades que os homens,
“basta que elas queiram”.
Em menor ou maior escala, inclusive
nos países onde a igualdade de gênero é considerada grande, como por exemplo os
países do norte europeu ou Escandinávia, é possível encontrar, mesmo que de
forma velada, os mesmos “pré-conceito” citados por Adichie e constatar que
ainda vivemos em um mundo que se baseia num condicionamento social patriarcal
não igualitário.
Assim como ela ressalta, as mulheres
representam 52% da população mundial, mas a maioria das posições de poder e
prestígio são ocupadas por homens: “Quanto mais alto você for, menos mulheres
haverá.” Homens ainda recebem, em escala mundial, salários maiores para
executar o mesmo cargo.
E porque deveríamos então sermos
todos feministas.
O mundo evoluiu, mas a ideia de
gênero não, os líderes no passadoprecisavam ser portadores de força física, este era o atributo
principal, e os homens, em grande maioria, são dotados de uma força física
maior. Adichie argumenta que hoje as principais características de um líder são
criatividade, inteligência, e pensamento inovador. E pra esses atributos não há
hormônios: “Um homem é tão apto quanto uma mulher para ser inteligente,
criativo e inovador”
A única forma de mudarmos este fato
é construir uma sociedade onde todos serão criados como pessoas, onde as
próximas gerações precisam ser educados de forma diferente. Também os garotos.
Adichie define a masculinidade como uma “jaula pequenina” onde colocamos os
meninos desde sua infância, onde eles aprendem a temer a fraqueza e a vulnerabilidade,
sufocando assim sua humanidade.
Criamos as meninas para se
encolherem, serem menores. Ensinamos que devem ter ambições, já que estamos em
um mundo moderno, mas não muitas, porque elas precisam se moldar aos homens. O
sucesso excessivo pode fazer com que o homem se sinta “desmasculinizados”.
As mulheres são criadas para ansiar
o casamento, mas porque então os homens também não são? Mulheres sãocriadas a se moldarem as necessidades de seus
parceiros. A competirem entre si pela atenção dos homens; a serem menos sexuais
que os homens.
Homens tem a desculpa do impulso da
masculinidade para seus atos e mulheres precisa “fechar as pernas” e cobrir seu
corpo para serem respeitadas.
Os papéis de gênero “prescrevem quem
nós deveríamos ser e não quem nós realmente somos”. “Imaginem como felizes nós
seriamos se nossos verdadeiros ‘eus’ fossem livres e se nós não tivéssemos o
peso das ‘expectativas de gênero’.” Afirma Chimamanda Adichie. “ E se ao criar as crianças, nós nos focássemos mais
nas capacidades individuais e interesses ao invés dos papéis de gênero?”
A definição da palavra feminista
lida por Adichie é: “Feminista, pessoa que acredita na igualdade social,
política e econômica entre os sexos”. Baseado nesta afirmação, talvez existam
muitos mais feministas no mundo do que se possa imaginar. Ela afirma que para
ela a definição de feminista é: “ Um homem ou uma mulher que diz: Sim existe um
problema com a definição de gênero com são hoje, e nós devemos consertar isso.
Nós devemos fazer melhor”.
O discurso lido por Chimamanda Ngozi Adichie neste dia é algo
emblemático e deve ser divulgado. Há ainda muitaspessoas neste mundo, sejam elas homens,
mulheres e afins, que são feministas e ainda nem sabem.
Assista ao vídeo, ele é um deleite de
inteligência argumentativa e coerência. E compartilhe para que mais pessoas
saibam do que se trata ser um/a feminista.
_ E o que significa ser humano? – perguntou-me ele com os
olhos vidrados em mim. Creio que estaria chorando se pudesse. Berlim, 23 de setembro de 2015.
A semana mal começou e eu já me
deparei aleatoriamente com três reportagens que reportam ou discutem o tema
estupro.
A diretora e cineasta sul-africana Leslee
Udwin, que também foi estuprada aos 18 e na época calou-se por vergonha e
culpa, motivada pela trágica história de Jyoti Singh (23 anos), que, de ao voltar do cinema com um amigo por
volta das 20h30 em Nova Déli, foi violentamente estuprada por seis homens em um
ônibus e faleceu.
Leslee
Udwin iniciou seu projeto, um documentário onde entrevistaria os agressores
sexuais. O resultado de sua documentação gerou uma tese estarrecedora. Os
agressores não eram monstros ou psicopatas, eles eram apenas homens. “Homens
normais”. Em grande maioria, eles nem sentem remorso pelo que fizeram. Segundo
Leslee, esta é a programação que o homem recebe durante toda sua vida.
Se a figura da mulher é
desvalorizada como ser humano, se é aprendido que elas não tem nenhum valor ou
um valor menor comparado ao homem, o que se espera? (veja
matéria completa aqui)
A segunda
reportagem retrata uma epidemia de estupros nos abrigos onde os refugiados, em
grande maioria homens mulçumanos, são obrigados a viverem em dormitórios
mistos. Não apenas os casos de estupros, que incluem até uma garota de 13 anos,
estão vindo á tona, apesar do esforço da polícia de silenciar a mídia, mas
também o de prostituição das mulheres refugiadas dentro dos próprios abrigos.
(Veja matéria completa aqui)
A relação
que podemos traçar entre os dois fatos pode ser ligada pela tese de Leslee,
ambas as culturas envolvidas veem as mulheres como inferiores, mas será que só
dentro destas culturas as mulheres são vistas como inferiores. Claro que não. E
isto se retrata pela terceira notícia lida. Ocorrido em uma cidade perto de
Macapá, no Brasil, uma mulher de 30 anos foi agredida por três homens que
moravam perto de sua casa e a conheciam, eles aproveitaram uma queda de energia
para invadirem sua casa munidos de um fação, como a vítima tentou reagir teve
seu cabelo cortado e sua mão mutilada, pelos agressores. (veja notícia aqui)
O fato de
ela ser mulher e morar sozinha foi o suficiente para que os agressores se
sentissem motivados a entrar em sua casa e a praticar está atrocidade, assim
como o fato de estarem um ônibus as
20h30 da noite ou de, como refugiada, não ter lugar onde dormir separada dos
homens.
Pode-se
dizer que a culpa é da política de acolhimento de refugiados que não leva em
consideração a diferença religiosa e cultural dos asilados; ou da segurança
publica que não faz seu papel protegendo seus cidadãos .
Mas eu
digo o problema é mundial, uma questão de cultura, “Cultura do Estupro”. Tudo é
motivo, tudo é usado como desculpa para se agredir sexualmente uma mulher.
Estava sozinha, estava com roupa provocante, não se deu o valor, estava de
burca porque é a representação do pecado, as mulheres são inferiores, estão no
mundo para servir o homem, para parir o homem, para alimentar o homem...
Mulheres
ganham menos, mulheres não são escolhidas para a vaga de emprego porque estão
em idade de ter filhos, mulheres são o número menor dentro dos cargos nas
universidades, dentro do congresso. Um Político é ladrão tudo bem uma política
fez algo que desagrada e recebe um colante com as pernas abertas. Meninos são
criados para “passar o rodo” enquanto as meninas aprendem que só serão
respeitadas se “segurarem a periquita”.
Em um
mundo onde a educação, seja ela religiosa ou apenas institucional, coloca as
mulheres como seres inferiores, as mulheres vão continuar a serem tratadas como
objetos e objetos não sentem, não precisam de piedade, podem ser estupradas. Berlim, 22 de setembro de 2015.